Friday, February 27, 2009

Ensaio sobre a cegueira

[postado em 16/10/2008]

Acabei de voltar do cinema onde fui para assistir o filme “Ensaio sobre a Cegueira”, de Fernando Meirelles – uma adaptação da obra do escrito português José Saramago. Confesso que estou um pouco angustiada até agora. Eu não li o livro ainda, e costumo não ler livros que viraram filmes, se eu já tiver assistido a produção cinematográfica. Sempre acho que perde um pouco a graça.

No caso de “Ensaio sobre a cegueira”, senti uma vontade enorme de ler a obra, e já coloquei na minha lista de leituras desafiantes para 2009. Digo desafiantes porque tenho uma pilha de livros em casa para matar antes de gastar dinheiro com novas aquisições. Por isso não passo nem perto de livrarias, pois é algo que me magnetiza. Bem, pelo menos eu tento me convencer que todo livro é investimento. E com certeza é a melhor coisa que eu poderei deixar para alguém, a não ser que os herdeiros sejam apenas meus gatos. Para eles, eu deixo meu sofá.

Voltando ao filme... “Ensaio sobre a Cegueira” é ao mesmo tempo aterrorizante e belo. A trama envolve e angustia, arregala os nossos olhos, provoca inquietação, raiva e, sobretudo, reflexão sobre o que Saramago e Meirelles, cada um na sua arte, tentaram passar com essa estória tão intensa. Não sei do livro, mas o filme nos prende a atenção, tem ritmo, e nos possibilita experiências sensoriais um tanto fortes para uma quarta-feira à noite. ;-)

E não poderia nunca ser uma mensagem óbvia. Vai além da epidemia física, de uma limitação do corpo, e toca simbolicamente naquilo que não gostamos de discutir muito em nossas vidas: a cegueira da alma. Mas para quem anda buscando respostas para tantas coisas como eu, é impossível não se confrontar com essas reflexões.

Vivemos hoje tão imersos em nossa rotina mecânica, em nossos relacionamentos superficiais, em nossa função de espectadores da vida alheia, que quando nos deparamos com uma limitação, seja física ou emocional, nos vemos perdidos. É como se as luzes (conceitos, posturas, valores) que nos guiavam até então fossem apagadas. Com isso vem o desespero, o desalento, a raiva pela incapacidade de enxergar o que antes era normal em nossas vidas.

Lamentamos perder as referências como se não pudéssemos criar outras novas. Apenas o tempo nos traz a compreensão de que a limitação dá lugar à perspectiva de viver de uma forma diferente - cego para o que éramos, mas fortes para o que nos tornamos e para os desafios que se anunciam, quando o que era antes a nossa vida passa apenas como flashes em nossa memória.

O que mais me angustiava no filme não era nem as pessoas que tinham perdido a visão, mas a única personagem que permaneceu incólume (Julianne Moore). Ela, sim, era para mim a mais desafortunada. Era porque depois que o filme acabou, percebi que a sua dor em enxergar e ter de carregar a dor de todos os outros em suas costas era uma benção. Mas ela carregava a sua cruz porque ao mesmo tempo que não tinha qualquer limitação em seu corpo, tinha a limitação da convivência social. Tinha perdido as suas referências da mesma forma que os seus colegas infectados.

Até aquele que consegue enxergar com clareza uma situação, em algum momento perde a força diante da cegueira alheia. Sente-se castigado pela plenitude dos seus sentidos. Da mesma forma, vem a raiva e o desalento, porque já não faz mais parte do resto. E já não adianta tentar parecer igual, porque a solidão chega implacável. Mas como tudo que o tempo toca, isso também passa, porque chega a compreensão de que enxergar em meio a cegos é uma missão. E aí a vida retoma o seu sentido.

O final do filme é poético e me fez chorar. Não vou contar aqui para não estragar prazeres. Só adianto uma coisa: para os que vivenciarem as mesmas sensações que eu senti hoje à noite, é impossível não fechar os olhos e agradecer a Deus por não sermos cegos, nem dos olhos, tampouco da alma.

;-)

P.S - Julianne Moore está perfeita, mas Gael e Ruffalo "enchem os olhos" de qualquer telespectadora. kkkkkkk

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