Lembro que eu tinha algo a dizer.
Era algo incômodo como queimação no estômago, pedrinha no
sapato, farpa no dedo.
Doía, mas não tinha ferida visível, e se prolongava, como
cólica de menina-moça, batida do mindinho na quina na cama, luto chorado no
escuro do quarto.
Engasgava, transformava-se em pensamentos, em cenas
reviradas, em gritos sufocados no travesseiro à espera de alguma justiça
divina, na crença de que algo aconteceria e me faria acreditar que o mundo gira
e a verdade aparece.
Eu tinha muito a dizer. Tampouco, tão pouco a acrescentar.
E de tanto escolher o silêncio, fui ninando a dor com
cantigas que compus com a coragem de acordar e viver cada dia. Canção de vida
vivida, com sensação de sobreviver cumprido. Fez-se menos choro, e a criança que
esperneava aqui dentro agora soluça, aceita colo e até ensaia cochilos serenos
nos braços da mulher que eu resgatei.
Ainda tenho muito a dizer, mas mudei o destinatário das
palavras. Escolhi uma nova mensagem. Enchi de tinta a pena que escreve meus dias
com caligrafia de esperança. E valeu a pena. Valeu penar. Valeu ser penalizada
pelas escolhas que outrora fiz, mas vale muito mais essa bendita recompensa por
mudar de rumo. Ver crescer novamente o cabelo, a altura de dentro, a imagem de
si, os sonhos e toda poesia com cheiro de liberdade.
Hoje o que eu tenho a dizer ocupa meus sentidos com uma paz
mansa, como a que se deve sentir antes de morrer. E eu, que há algum tempo
precisei matar o que eu queria ver vivo, pra depois renascer com choros de
abrir pulmão, hoje me peguei sorrindo com um arco-íris que anunciava a manhã. E
percebi que não importa se o mundo gira, desde que ele seja capaz de colorir
domingos.
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