Sunday, March 21, 2010

Aos Domingos



Eu nunca consegui ser completamente feliz aos domingos.

Domingo é um dia com cara de ultimato. Em mim, nunca soou como o primeiro dia da semana. Nunca teve aquela sensação de recomeço. Nunca me fez sentir cheiro de flores ou achar que a vida vale a pena. O domingo sempre me acorda, de conchinha, provocando solidão como um namorado que já não se ama.

Domingo é invariavelmente espelho mesmo que eu não saia da minha cama para encarar o banheiro. Domingo nunca é o dia em que eu recebo boas notícias. Você nunca chegará em um domingo carregando flores, chocolates e a tão esperada promessa de dias melhores.

Tenho fobia a noites de domingo. Existe um nome científico para isso? As noites de domingo debocham dos solitários ou daqueles que amam o passado, como eu. Não há misericórdia no pôr-do-sol de um domingo. Não há compaixão dos casais que saem à rua para aproveitar o dia. Não há sol que aqueça o coração ou comédia no cinema que conforte o que insiste em ser triste.

Minhas melhores poesias nasceram aos domingos. Porque nascem do nada ou do tudo que gangrena esse vazio. Não sei de nada, mas sinto tudo. E o confronto desenha palavras. Aos domingos, todas as minhas versões me convidam à reflexão. Sou múltipla e esquizofrênica. Não consigo ser escudo para combater o externo. Nem adiantaria. É o que apodrece silenciosamente aqui dentro que me incomoda.

Aos domingos não me expulso. Aos domingos não sinto saudade. Aos domingos me alimento apenas do que não existiu, e me engasgo com o anúncio da segunda-feira. Aos domingos, os meus gatos, e todos os gatos do mundo, são mais amáveis com seus donos porque podem sentir o peso das horas que se arrastam. Aos domingos, as janelas são templos de oração e espera.

Tudo o que se sente e não se deve sentir pisca em neon aos domingos. O coração cresce desordenadamente como uma metrópole poluída e barulhenta. É inútil ouvir canções em alto volume. Os ouvidos estão voltados para dentro.

Ainda que insuportável, o domingo é necessário. É quando nos deixamos abandonar. A bagunça do quarto e a sujeira da mente são permitidas. Somos mais humanos em dias de hoje. E como tudo na vida, ele sempre se despede, e passa.

Friday, March 19, 2010

Fica Dica: Martha Wainwright



Há uns três anos ganhei de um amigo um DVD com centenas de músicas. Até hoje não ouvi tudo. Sou muito relapsa quando o assunto é ouvir todas as mp3s que eu guardo em meu computador ou no meu HD virtual. Hoje, com o Windows media player no random mode, ouvi uma música que me interessou bastante. Fui checar quem era a cantora: Martha Wainwright. O sobrenome não me soou estranho e, após uma pesquisa, descobri que ela é irmã mais nova do Rufus Wainwright, um cara que gosto bastante apesar de não ter muitas músicas dele.

Segundo a Wikipedia, Martha é uma cantora e compositora canadense-americana de folk rock. Ela é filha do cantor folk americano e ator Loudon Wainwright III e da cantora de folk e compositora canadense Kate McGarrigle. Como Rufus, ela participou da trilha sonora do filme “I am Sam”, toda composta com canções dos Beatles. Martha gravou “We can work it out” com Teddy Thompson.



O álbum dela que eu tenho é o “I Know you’re married but I’ve got feelings too” (2008). Só ouvi uma vez, aliás, estou ouvindo agora, mas já gostei das canções. Atenção especial para “Niger River” e “Love is a Stranger”. Uma mais calma, boa para encerrar a noite sozinha no sofá; outra para os dias onde há fé na vida, uma boa maquiagem e um vestidinho pra levantar sua autoestima. Além deste álbum, Martha gravou mais dois e seis EP's. O primeiro álbum em 2005, homônimo; e o último em 2009 com regravações da mome francesa, Edith Piaf. Este, batalho a horas para baixar. Sorte que hoje é um dos dias em que estou com a dita fé na vida e, portanto, tentarei mais algumas vezes.

O que me prendeu mais a sua música foi a sua voz. Geralmente gosto das vozes das cantoras de folk. Ela tem uma voz quase rouca, rasgada, e para mim, agradável. Escolhi um vídeo dela cantando “Stormy Weather”, que não está em nenhum dos seus álbuns, mas é uma música que adoro e que mostra a bela voz da Martha.

No site dela, nenhum indício de que virá ao Brasil.

Fica aqui a dica e descubram mais para me contar! ;-)

Site oficial: http://www.marthawainwright.com/

Ouça também:

Wednesday, March 17, 2010

The thrill is NOT gone


BB King e sua Lucille: "Eu tento opinar sobre as coisas do mundo, mas Lucille fala por mim".

Bem, eu estava planejando fazer mais uma resenha daquelas que sempre escrevo quando vou a um show bastante esperado e, claro, curtido. Acabei de chegar em minha casa, fiz o checklist dos gatos e das coisas que provavelmente eles destruiriam durante 8 dias de ausência. Está tudo em ordem, menos a minha cabeça para organizar ideias. Mas como ando evitando o “deixar pra depois”, vou tentar escrever alguma coisa sobre o que senti durante o show do BB King ontem (17), no Vivo Rio.

Primeiro, posso soltar um palavrão? Então vai lá: “táquepariu” que noite! Estive em Nova Iorque em agosto do ano passado e durante duas noites fui ao bar do BB King. Óbvio que nem sinal do cara por lá. O ambiente é mais um Hard Rock Café do Blues – uma grife pra você dizer que esteve e comprar imãs de geladeira ou palhetas de guitarra. As mesmas palhetas que ele distribuiu assim que adentrou ao palco.


Ele entra no palco e o público aplaude em pé.

O show começou apenas com a banda (e que banda!), que tocou duas músicas. Em seguida, o anúncio do rei da Guitarra. Ele entrou, lento, distribuindo palhetas e sorrisos para os felizardos das primeiras filas. Sentou, dois integrantes da banda o ajudaram a prender a guitarra ao corpo, e ele começou a conversar com a platéia – coisa que faria mais outras tantas vezes ao longo do show.

A cada solo de guitarra, ou quando ele decidia soltar o vozeirão, dois ou três gritavam “Wow!” e puxavam o coro de aplausos. Pra muita gente, como eu, era difícil acreditar que estávamos diante da lenda viva do Blues. Mais difícil ainda acreditar que ele, aos 84 anos, e muitos deles de incontestável reconhecimento musical, seria um adorável “velhinho”. BB King conversa mais com o seu público que puxadora de trio elétrico. Tudo bem que não estávamos vestindo abadás; as cervejas eram servidas à mesa; e o dono da festa não exibia suas pernas em um vestidinho curto e cheio de lantejolas.


Entre uma música e outra, uma boa prosa.

Mas durante pouco mais de uma hora, a lenda conversou bastante com os reles mortais. Elogiou o povo brasileiro. “Vocês são o povo mais amável que conheço”. Falou sobre o RAP americano e como os cantores do gênero cantam coisas ruins sobre as mulheres. Sim, sobre essas ele rasgou elogios também, e brincou: “eu nunca vi uma mulher feia na minha vida”. Ao notar uma loira que dançava despretensiosamente em sua cadeira, ele soltou: “Moça, tenho 84 anos, mas não estou morto. Vá com calma”. Com o sorriso sempre no rosto, BB King não parecia estar cansado, mas não levantou de sua cadeira real um só momento. Apenas no final, ajudado por um assistente e um músico da banda.


BB King se divertindo com o seu talento.

Lembrei do meu pai durante todo o show, principalmente nas horas de “The thrill is Gone” e “Key to the Highway”. A uma certa altura, ele provocou o público: "o que vocês querem ouvir?". Um fã novinho, que estava atrás da minha mesa embrulhado na bandeira de Minas Gerais, gritou insistentemente: "Guess Who!". E ele atendeu. Será que ele conseguiu dormir ontem? Fiquei ligeiramente preocupada depois que o rapaz agradeceu algumas vezes com “BB King, I Love you!”. Mas nós, meninas, tivemos nosso momento também. “You are my sunshine” foi a canção dedicada às mulheres e todas cantaram junto com ele. Além dessas, outras conhecidas como “Love comes to town” e “I need you so”.


Fim de show e só mais um pouco de atenção para os fãs brasileiros.

Ao final do show, ele vestiu seu casaco e um chapéu de palha, e conversou com alguns fãs. Não deu autógrafos, nem pro fã desesperado que havia levado a sua guitarra com a esperança de que teria qualquer rabisco do rei em seu instrumento. O momento de interação havia cessado. Estava bom demais. Durante todo o show conversamos e pedimos músicas; o ensinamos a contar até quatro em português; e quase transformamos o Vivo Rio em um bar típico de Memphis com seus “wows”, e estalos de dedos, e casais que levantavam da mesa para arriscar uma participação mais eufórica. Fomos amáveis como BB King esperava que fôssemos, e como ele não deixou de ser um minuto.

Dedico esse texto a quatro pessoas importantes para que eu vivesse esse momento: meu pai e minha mãe, Paula Lagrotta e Ronaldo Conde. Cada um com o seu gesto generoso e que eu espero retribuir um dia.

Fotos: Kadydja Albuquerque entre cabeças, garçons e aplausos.

Alguns vídeos:




Key to the Highway


Guess Who e Rock me baby

Monday, March 8, 2010

Às vezes / Começo a conhecer-me. Não existo.

Álvaro de Campos era um dos pseudônimos de Fernando Pessoa. Nunca mais publiquei outras poesias aqui que não fossem minhas. Coloco então logo duas deste grande poeta múltiplo.


Às vezes

Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...


________________________________

Começo a conhecer-me. Não existo.

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida ...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.


Álvaro de Campos

Para ser mulher



Para ser mulher,
precisa muito caminhar.
Precisa entender do amor,
e com ele pactuar.

Para ser mulher,
deve andar pelo tortuoso,
com passos leves e firmes,
e um coração amoroso.

Para ser mulher,
é preciso se contradizer,
sorrir, chorar, cobrar
e deixar o outro ser.

Para ser mulher,
tem que aceitar o desafio
imposto pelo mundo cruel,
como um homem vazio.

Para ser mulher,
deve sempre ter cheiro de rosa,
fitas no cabelo,
sorrisos e covas.

Para ser mulher,
cante uma canção de amor,
acredite e domine o destino
seja pra onde ele for.

Para ser mulher,
basta se conhecer plena,
ser dura e não se entregar
à qualquer coisa pequena.

Para ser mulher,
acolha o mundo em seu ventre.
Não há nesse mundo outro ser
que saiba o que sente.

Mulher,
palavra misteriosa.
Melodia em forma de corpo.
Alma em forma de prosa.

Kadydja Albuquerque (Março / 2010)

Wednesday, March 3, 2010

O dia em que eu assisti ao Coldplay



Meu primeiro contato com o Coldplay foi na época da faculdade enquanto escrevia a minha monografia. Não dei muita importância. Passou essa fase, diploma na gaveta e um Rio de Janeiro inteiro pra conhecer. Quando já morava lá com uma amiga, comecei a freqüentar a casa de outra que era fã da banda. Aí fui de fato apresentada ao Coldplay. Ouvíamos incansavelmente todas as canções do Parachutes. Logo, adotei Shiver como a canção que embalaria minhas ilusões. Isso foi em 2002, acho que no ano em que eles fizeram um show no Rio, mas eu era recém-formada, sem emprego e portanto sem grana, e não acompanhei essa outra amiga fã que, a muito custo, conseguiu entrar de graça no show no ATL Hall. Passou a primeira chance.

Depois, quando já morava em Lisboa, em 2004, eles fizeram duas apresentações na cidade. Já estava empregada, mas a grana era curta e a liberdade também. Meu namorado da época não gostava da banda e todas essas variáveis me fizeram perder mais uma oportunidade. Retornei ao Brasil, retornei a Aracaju e acompanhei os lançamentos como uma fã distante. Eles retornaram ao Brasil em 2007, mas também não pude assistir. Dessa vez acho que nem eu mesma tinha tanta esperança de um dia ir ao show dos caras.
Quando eles anunciaram a apresentação do Viva La Vida Tour na Apoteose, eu me prometi que iria nem que vendesse o meu carro. Comprei o ingresso ainda na venda para clientes do Credicard, em novembro do ano passado; comprei as passagens aéreas, e esperei. Quatro meses passaram mais rápido do que aquelas três horas guardando lugar antes do início do show. Como uma boa fã, eu já sabia o setlist, mas quem lembrava dele na hora?



Antes de começar o show, a Apoteose já lotada, veio a traiçoeira vontade de ir ao banheiro. Paula foi comigo para garantir que eu voltaria. No retorno árduo entre dezenas de “com licença” e “por favor”, a banda entrou no palco. Era 20h27. Fiquei um pouco desesperada porque eu havia guardado um local perto do alambrado que delimitava a área VIP da ralé (eu estava nesta última) e a cada passo que eu dava as pessoas se tornavam mais hostis. Eu argumentava que já estava lá antes e uns davam passagem. Quando não adiantava, eu usava a minha técnica desenvolvida em pipocas de micareta, e passava assim mesmo.

Pronto, cheguei ao local onde estavam os outros amigos e agora era curtir o show. Por curtir, entenda-se gritar, pular, cantar todas as músicas, agradecer a Deus por estar lá, reclamar com o casal da frente que tirava mais fotos deles do que prestava atenção, entre outras coisas. Life in Techicolor, Violet Hill, Clocks, tava amando tudo aquilo, prestando atenção em cada detalhe, mas ainda não havia surtado e tal. Foi quando eles começaram com In my Place e depois emendaram com Yellow. Covardia. A Apoteose inteira pulando e aquelas bolas amarelas gigantes passando de mão em mão. O palco completamente amarelo e a banda lá em cima dando o melhor.



Parênteses: o Coldplay é uma banda polêmica. Não pelo trabalho que fazem, mas pela recepção do seu trabalho pelas pessoas. Muitos amam, muitos odeiam. Respeito quem não gosta e não sou daquelas fãs que tentam catequizar os não-simpatizantes. Eu gosto, as músicas possuem uma relação direta com várias fases da minha vida e isso me basta. Mas mesmo que eu não gostasse, não há como achar que os caras são boçais. A interação deles com o público na Apoteose foi a mais sincera possível. Chris Martin se esforçou para falar português, pedia feedback da multidão e ainda tentava chegar o mais perto do público utilizando todos os espaços do palco.

Voltando... mais outras músicas e veio Fix You, Lost, e em seguida eles fizeram o que eu estava esperando desde que cheguei e vi aquele palco menor no meio da Apoteose. Ninguém acreditava em mim quando eu dizia: eles vão descer e vão tocar aqui, e nessa hora vai ter a chuva de borboletas. As meninas diziam: ah, que nada, você tá maluca que os caras virão aqui?

E eu estava certa, tirando a chuva de borboletas que ficou pra depois. Como acreditava realmente no que eu estava dizendo, me posicionei a 5 metros do palco. Acabou Lost e começou a tocar “Singing in the rain” enquanto eles desciam pelo corredor que dava acesso ao palco menor. Eu acreditava no que eu havia dito, mas não acreditava no que estava vendo. Há umas duas semanas, escrevi para o site oficial do Coldplay perguntando se havia chance deles tocarem Shiver no show do Rio. A resposta veio naquela hora. Chris posicionou o microfone para a direção em que eu estava e falou: Shiver.


Foto: Kaká Barbosa.



OK, ele nunca vai saber da minha existência, mas naquele momento ele estava cantando pra mim e eu não consegui cantar, nem fotografar, nem levantar as mãos pro alto, nem chorar e tampouco aplaudir. Fiquei em silêncio e lembrei de todas as vezes que ouvi aquela canção, e de quantas chorei. Lembrei das tardes de domingo no Rio ouvindo Parachutes, das caminhadas pelas ruas de Lisboa com meu discman, das manhãs no ponto de ônibus em Salvador indo para o trabalho, das noites quando estava recém-chegada em Aracaju e que durante seis meses eu ouvia essa canção antes de dormir tentando trazer de volta o passado. Lembrei do presente e das suas lições. E não chorei, não gritei, não tive pena de mim. A música me conectou a momentos muito fortes e eu percebia que já não havia nada em mim hoje que os quisesse de volta.


Foto: Kaká Barbosa.

Depois o show se tornou o resto do show pra mim. Emocionante, claro. Lovers in Japan e, finalmente, a chuva de borboletas. O bis com The Scientist. A chuva que não cessava. O apagar das luzes do palco e o acender das luzes da Apoteose. A comemoração cúmplice com os amigos. O retorno para casa. Quem é fã de algum artista ou de alguma banda, sabe da emoção desse encontro, ainda que coletivo, com o seu ídolo.


Molhados e Felizes.


Tudo foi perfeito como não poderia ser de outro jeito.