Querido Papai Noel,
Acho que faz uns 20 anos que eu não te escrevo uma carta. Parei de acreditar, inclusive, que o senhor era de verdade quando um amigo sem graça da escola me alertou sobre a sua não-existência, e daí as forças do universo desencadearam uma cascata de desilusões que até hoje não param de acontecer. Sendo assim, resolvi por conta própria e sem terapia de regressão que voltaria a acreditar no senhor como uma nova tentativa de desvendar se é realmente o retorno de saturno que anda sabotando a minha vida ou o fato de eu ter perdido a crença no lúdico desde aquele dia na escola.
E por que não acreditar, não é mesmo? Acreditamos em tanta coisa, principalmente eu, que sou solteira, independente e estou fazendo MBA em fanfarronismo masculino. Antes eu continuasse acreditando no senhor, no Coelhinho da Páscoa, na Fada do Dente e nos Smurfs, os quais já cheguei até a visualizar uma vez embaixo da minha cama (sim, foi muito real e nessa época eu ainda não bebia). Inclusive, passa agora pela minha cabeça, e não é preciso fazer uma pesquisa antropológica para chegar a essa conclusão, que a culpa não é sua, mas da Xuxa pela evolução hormonal e comportamental das moças da minha idade. Perdão.
Somos, antes de tudo, como posso dizer... ingênuas. Sim, claro, como não seria quando você cresce martelando seu cérebro com o mantra “Doce, Doce, Doce, a vida é um doce, vida é mel”? Mas o que foi pior é que as mulheres como eu, hoje com 29 anos, solteiras e independentes, vivenciaram uma sinastria cósmica e midiática em um momento muito determinante para a construção da nossa personalidade quando a Xuxa lançou a canção mais inviável do mundo. Éramos pré-adolescentes, começando a descobrir o frio na barriga por causa daquele menino da sala que hoje está com 2 filhos e uma mulher desleixada, quando a Xuxa nos presenteou com Lua de Cristal.
Analisando bem a canção, eu penso em propor um projeto de lei que proíba a rainha dos baixinhos de fazer novas versões para os próximos 64 XSPB. Não, tudo pode ser e se quiser, será, não existe. Talvez a Sasha consiga praticar essa frase porque ela vive em um mundo cor de rosa (e você não sabe, Santa, como me dói dizer isso tendo em vista que nascemos no mesmo dia, apenas com um pequeno intervalo de anos). Sonhos sempre vêm pra quem sonhar é, no máximo, uma péssima estrofe (e só perde para as tentativas de composição da Sandy). Buscar a sorte e ser feliz podia ser um mote para campanha de lotéricas, mas não rola. Sorte não se busca. Ou você é abençoado com pérolas do acaso, ou vai passar a vida tendo que suar pra ser feliz. Fato.
Mas a melhor parte, Papai Noel, é quando as Paquitas entraram nesse projeto messiânico e nos fizeram acreditar que somos invencíveis e que juntos não existe mal nenhum. Realmente, por três anos consecutivos, eu achei que isso era possível porque a minha turma sempre era campeã da gincana de final de ano. Só que depois que eu comecei a usar calças jeans e tive intervalos em vez de recreio, essa afirmação ficou meio obscura pra mim. Ela foi elucidada no meu primeiro carnaval em Salvador, quando eu percebi que estar junto de 1 milhão de pessoas faz mais mal do que ficar sozinha em casa assistindo o desfile das escolas de samba. Sem falar que foi um processo penoso entender que o príncipe encantado não chega em um cavalo branco. Mas sim, ah isso sim, o que não falta no caminho são variações do Sérgio Mallandro tentando te convencer do contrário.
Então, voltando à construção de argumento, afirmei que as mulheres da minha geração são ingênuas. Preciso explicar? Acho que não porque eu acredito que, assim como Deus, o senhor é onipresente, onisciente e onipotente, ou senão você teria que ter uma equipe maior do que a do Google para dar conta de tanta gente carente. Além de ingênuas, nós nos metemos em outra sinastria cósmica, astral e desonesta ao nos colocar antes de uma geração de meninas que cresceram ouvindo Ivete Sangalo e agora estão no mercado. O senhor há de concordar que uma menina que se desenvolve cantando “Me abraça, me beija, me chama de meu amor” está anos-luz na frente dessas desajeitadas balzaquianas que passaram a infância pintando um arco-íris de energia. Enquanto fazemos a linha “seu irmãozinho é uma gracinha, e eu sou todinha do bem”, elas já estão, todas juntas, celebrando a vida, fazendo um auê e mandando ver.
Parênteses: tenho uma admiração sincera pela geração 2000. Nativos digitais e hedonistas que não passaram por solução de continuidade alguma. Já nasceram em um mundo pleno de possibilidades e encaram a vida sem grandes problemas. Claro, sempre existem as almas velhas que acham bonito cultivar a inviabilidade do passado, mas a essência está ali.
Bem, Papai Noel, vamos ao que interessa. Tive um ano difícil em todos os campos da minha vida. Passei pelo meu ano 9 com a cabeça erguida. Chorei baldes, mas ocupei o meu, só o meu, espaço. Tá, viajei bastante, conheci novos amigos, mas o processo de auto-conhecimento tem que ser balanceado com alguns momentos bons, não é mesmo? Do contrário, qualquer mulher que encara o espelho, a solidão e os desafios profissionais durante o Retorno do lastimável do Saturno terminaria a vida ali mesmo, envenenada na sala de casa, ao som de Edith Piaf.
Não vou pedir nada diretamente. Até porque esse é um primeiro contato depois de anos e uma tentativa de quebrar o gelo. Sem falar que se o senhor realmente existir e for onipresente, onisciente e onipotente, já está careca de saber qual a minha lista pequena com 39 desejos. Sei que alguns eu talvez só conquiste depois que me mostrar mais confiante da sua existência. Por enquanto, acho que é isso. Aqui estou eu, tentando ser menos cética. Avisa pro Coelhinho da Páscoa que a carta dele vai chegar. Quanto à Fada do Dente, espero não encontrá-la nem tão cedo. Já os Smurfs, esses podem ficar afastados também. Até hoje não me recuperei daquele encontro noturno.
Feliz Natal pro senhor, pra Mamãe Noel e pras renas.
Kadydja
Sunday, December 20, 2009
Carta ao Papai Noel (quebrando o gelo)
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8 comments:
ô mulé...tempão sem aparecer por aqui nO ciberezA, continua fantástica...esse humor inteligente de balzaquiana concebida e criada ao som de Xuxa e suas desventuras sexuais em forma de canções que embalaram nossa infância, identificação sim...vc bem sabe... rs rs não posso expor, a sociedade nao está preparada...por hora posso dizer q larguei o arco íris de energia e fui à Bahia entender qual era a desse arerÊ...continue com sua saia bem rodada...
É, a Cibereza é cética, mas sábia. Gosto do texto, e dessa coisa de fazer as pazes com o Noel. Eu depois dos bastidores de Natal de um Shopping Center tive meus sonhos Natalinos todos destruídos, e o Papai Noel, mesmo que de mentira, é um chato!
QUERIDA,
o que é que você está esperando para mandar esse artigo (sim, isso é um artigo) pra Folha??
Obrigada por conseguir expressar tão bem o mal da minha geração.
Grata!
:)
É Lula, ela rodou a baiana!RSRS
Como sempre maravilhosa, garanto que, quem é dessa geração, vai se indentificar com cada frase e pensamento.
Que os Orixás te iluminem, rezas de mãe.
Fantástico!!!
Obrigada por nos presentear com este texto! COm certeza, é um presente de ano novo!
HOje, só agradecimentos!
Beijo.
Amei...seu blog..parabéns!
sucesso
Amei seu blog,,,
parabéns,,!
Sucesso..
bjoo
Entrei no blog por acaso e me deparei com este texto, que diga-se de passagem, está muito gostoso de ler. Muito bom viu, Kadydja? E concordo com um comentário acima, qualificando o texto como um artigo digno de publicação na Folha. Ah, preciso manifestar duas coisinhas: a primeira é que sou da geração 'Me abraça, me beija, me chama de meu amor' com muito gosto; e a segunda, é que tenho pena de não ter lhe descoberto quando minha professora da faculdade. Naquela época, não imaginava tê-la como escritora e poetisa cheia de referências musicais, literárias etc. Pronto, já rasguei a seda e publique algo sobre Laranjeiras, vale a pena. Publicando, avise-me. Quero ler! Bjo.
Jeimy Remir
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