Ao te amar
engravidei da dor.
Aninhei em meu ventre
o sonho de que ela se tornasse graça.
Eu a alimentei
lenta e pacientemente.
Pelas veias do meu corpo,
enviei força,
mas enquanto crescia,
graça não se tornava,
tampouco benção.
Nunca chegou a ser amor.
Então apelei para a sorte.
Saí por aí procurando a coragem
para que, já que nasceria dor,
nascesse bela.
E nas contrações,
corri milhas e lágrimas.
Quando ela nasceu,
parecia culpa.
Não, parecia mágoa, talvez.
Mas não era graça.
Não era sonho.
E só agora,
após noites a amamentá-la,
chegou a coragem
trazendo um presente:
o próprio presente com as mãos ensaguentadas,
anunciando que matou o passado.
A filha dor entreguei, com custo,
à visita em troca do futuro,
embalado em um papel frágil
que ainda não consegui rasgar.
Mas já não me dói o parto.
Levaram meus fantasmas,
levaram a dor que concebi.
Ficamos apenas eu e esse futuro não revelado.
Kadydja Albuquerque, 24 de dezembro de 2013.