Friday, February 27, 2009

Encontro com o passado



Adoro quando o dia acontece sem ser anunciado. Ontem fui ao Rio de Janeiro para uma reunião de trabalho. Nada além disso estava proposto em minha agenda. Como o meu vôo de ida era na madrugada, fiquei acordada com medo de perder o vôo. Como companhia, este laptop, coca-cola e meu DVD de Silvia Machete, que tocou três vezes.

No táxi a caminho da reunião, vi um cartaz anunciando o show dela para o dia 13. Sim, ontem foi dia 13. Fiquei eufórica, não poderia perder essa oportunidade. E não perdi, saí da reunião e exercitei a minha intimidade com a cidade carioca. Fui sozinha ao Teatro Rival assistir à estréia de "Eu não sou nenhuma santa".

Comprei uma cadeira na mesa 014. Venci minha timidez e sentei com um casal de senhores. Eles puxaram assunto, fomos nos conhecendo, mundo pequeno, adoram Aracaju, mas preferem as praias de João Pessoa. Normal, eu tava um pouco mais preocupada em assistir logo ao show para encontrar com o resto da trupe em Copacabana. O show foi fantástico como eu já esperava. Registrei ao máximo em minha máquina e em minha memória. Mas talvez essa não tenha sido a maior experiência desta viagem rápida.

Antes de entrar no teatro, andei pela praça da Cinelândia. Lembrei de alguns poucos fins de tarde que passei no Amarelinho. Deu vontade de tomar um chopp, mas preferi uma coca-cola na banca de revista em frente. Observei os pombos, os desocupados, os cansados de um dia de trabalho. Vi o consulado de Portugal, e recordei das minhas manhãs de esperança atrás de um visto que nunca chegou.

Uma flâner na cidade em que já foi sua casa. Mexeu, e sempre vai mexer. É no mínimo intrigante retornar ao Rio sem me sentir insegura diante da cidade e do que ela não pôde me oferecer quando eu a escolhi como morada. Ainda aperta o peito passar por botafogo e lembrar das manhãs que viraram noites, das tantas vezes que dormi vendo os braços abertos do Cristo desanunciando qualquer caminho novo para mim naquele lugar.

E passear sozinha pela Cinelândia me conectou às tardes que eu desfilava pelo Baixo-Rossio, em Lisboa. Ainda que você tente vagar sem pensamentos, o cérebro sempre te convida às associações. E lá estava eu, dialogando com o passado.
Percebi que são momentos de paixão, de flerte com uma cidade. Ofereci-me ao Rio e a Lisboa como quem se oferece a um hipotético amor. Você deixa que a cidade te engula, te mostre seu corpo de ruas, seu cheiro, seu humor. E você, deslumbrada com o que pode se tornar, envolve-se, lança-se, até que já não haja mais reciprocidade. E se vai a procurar abrigo em outro lugar.

E o retorno é sempre silencioso, cúmplice, tenso. O reencontro é um convite ao flashback que não pode mais existir. Não porque não valha a pena, mas por não ser mais você a mesma. Em cada cidade que morei, deixei um pouco de mim. Voltei de Lisboa sem a coragem da juventude. Deixei no Rio a improbabilidade das madrugadas. Retornei a Aracaju para ser madura e fui me perdendo. Troquei as paixões urbanas pelo casamento com a minha terra-natal. Refiz-me focada no futuro. E enquanto o foco não vira sufoco, assim continuo.

E vou concordando cada vez mais com a Clarice, "viver ultrapassa qualquer entendimento".

Postado em 14/01/2009

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