Thursday, October 22, 2009

Dona Nadi: do tamanco ao canto da Mussuca



Esse perfil eu fiz em agosto, mas nunca postei aqui no blog. Apenas no Overmundo. Nem sei porquê... lá vai.


Em uma manhã de sábado, ela nos recebe com um sorriso no rosto em sua casa simples de quatro cômodos. Chegamos sem anunciar, mas Maria Nadi dos Santos, 62 anos, não se intimida e logo articula sua prosa fácil, extensa e musicada. É uma mulher apaixonada pelas memórias de sua vida e pela cultura de seu povo. Conhecida como Dona Nadi (sem o erre mesmo) e reconhecida como mestre da Cultura Popular sergipana pelo Ministério da Cultura, há décadas luta pela preservação cultural do povoado Mussuca, uma comunidade quilombola situada no município de Laranjeiras, a 23 quilômetros de Aracaju, capital sergipana.

Dona Nadi não nos recebeu sozinha. Estava com seu companheiro de quatro anos, Visconde, auxiliar de necropsia do Instituto Médico Legal de Sergipe, e fã caracterizado de Raul Seixas. “A primeira vez que eu o vi foi na TV, no programa de Bareta, e depois a gente se encontrou no bar de Marizete num dia como esse. No domingo era festa de Lambe-Sujo”, conta sorridente, enquanto fazia um gesto para que ele baixasse o som, que tocava “Metamorfose Ambulante”. “Ele trabalha com morto, mas eu não tenho medo. Medo mesmo tenho dos vivos. Ele é feio, é tudo, mas eu gosto dele”, declara em outro momento.


Foto de Lúcio Telles

Entre um passeio e outro pela memória, Nadi cantava uma de suas músicas ou relembrava canções do seu pai, José Paulino dos Santos, compositor, instrumentista e figura de frente do São Gonçalo, uma das manifestações folclóricas do povoado. Hoje, ela canta no Grupo do Samba de Pareia da Mussuca, manifestação folclórica única de Sergipe.

O Samba de Pareia foi criado como um ritual para celebrar o nascimento de um bebê no quilombo. Com tamancos de madeira, que para os negros simbolizavam a liberdade frente aos brancos, mulheres sambam e rodam em parelha, enquanto a banda toca e canta canções que falam de libertação e de afirmação da cultura de seu povo. Ainda hoje, os moradores da Mussuca comemoram a chegada de uma criança com o samba, a meladinha (cachaça com mel de abelha, arruda, canela e cebola branca) e o Rabo de Galo (vinho com cachaça), sempre no 15º dia de nascida. Comemoram também aniversário dos componentes do grupo, que hoje são 24.

Dona Nadi começou a sambar cedo, aos 12 anos, quando seu pai a levava para as comemorações das noites de São João. “Todo ano a festa era em uma casa. Começava às 9h da noite e terminava às 6h da manhã. Tinha samba em junho inteiro. Hoje só na noite de São João”, lamenta. Quando perguntada sobre o dom de cantar, ela não hesita: “toda vida eu gostei (de cantar). É a minha alegria, tudo entoa”.

Ela é analfabeta, mas a barreira da escrita não limita a sua criatividade. Nadi gosta de compor músicas, como o seu pai, que escreveu uma das canções mais famosas nas festas da Mussuca – “Trem Baiano”. “Não sei como faz para compor. O que vem na cabeça eu coloco. E dá certo né¿!”, solta a risada larga. Dá. No dia 8 de julho deste ano, nas comemorações da Independência do Estado de Sergipe, Dona Nadi foi agraciada com a Medalha do Mérito Cultural Tobias Barreto, que recebeu das mãos do governador Marcelo Déda. “Coloquei ele pra sambar. E sambei também”, conta.

Mãe de 10 filhos e avó de 26 netos, Nadi nem sempre teve a vida preenchida pela Cultura, embora nunca tenha deixado de amar e respeitar as raízes de seu povo. Durante 20 anos viveu um casamento que a afastou do que mais gosta de fazer: lutar pela preservação das manifestações folclóricas do povoado. O passado foi enterrado e ela mergulhou na sua missão. Atualmente, além do grupo de Samba de Pareia, ela participa do São Gonçalo; é líder do Reisado de Dona Nadi; e tem um grupo de teatro chamado Drama.

Vaidosa? Só quando sai de casa, diz. O cuidado em manter o cabelo preso com uma faixa florida, os anéis e o colar de proteção contradizem. No momento em que entra a neta Joana Carla, ela insinua a sucessão na família e exibe um pouco da sua vaidade. “Ali (mostra a menina) é mesmo que eu”, afirma com a certeza de que a pequena vai seguir os passos da avó.

Ela tem consciência de que a memória precisa ser preservada não apenas pela entrada dos novos. Um sonho de Dona Nadi e de todos os mestres da cultura em Laranjeiras é ter uma Associação. “A gente precisa para poder receber pessoas como vocês, colocar fotos, mostrar nossa história”. E ela sabe do que está falando. Recebe muitos jornalistas, pesquisadores, curiosos em geral. Não faz muito tempo, quatro argentinos estiveram em sua casa. Sem titubear, mandou a primeira pergunta: “Vocês, quando vieram da Argentina, estavam de máscara¿”, ri. “Barrei mesmo na porta de casa, mas depois deixei entrar”.

Em seu repertório de canções, não há apenas a cultura popular. Nadi é fã de Amado Batista, Roberto Carlos, Carmen Silva, e um dia até gostou de Michael Jackson. “Gostava dele enquanto era negro. Depois que tomou produto pra ficar branco, sai pra lá!”, conta. Forró Eletrônico¿ Nem pensar. “Forró é o pé-de-serra. Aquilo deveria se chamar outro nome, como Xamego”, sugere.

Entre os artistas sergipanos, seus preferidos são Cremilda e Josa, o Vaqueiro do Sertão, ambos também receberam a Medalha do Mérito Cultural Tobias Barreto, no dia 8 de julho deste ano. “Cremilda tem a voz e o ritmo do forró seguro”, afirma. O olhar fica distante mais uma vez, sempre para consultar a memória e puxar uma canção. E assim, entre a cultura e o cotidiano, Dona Nadi vive livre a sua aposentadoria, depois de décadas como funcionária pública da Prefeitura de Laranjeiras. Um exemplo da garra de um povo que tem como valor maior a sua identidade cultural.
“Não posso deixar o samba morrer, né?”.

Texto: Kadydja Albuquerque
Fotos: Lúcio Telles
Colaborador: Dudu Prudente

1 comment:

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