Sunday, July 18, 2010

Hipertexto balzaquiano (ou uma construção confusa sobre autoconhecimento)

Estou há dez dias de ingressar de cabeça, tronco e membros em meus 30 anos. E isso tem me feito dialogar comigo mesma como uma espécie de ritualidade obrigatória a uma mulher que carregará o rótulo de balzaquiana. Um rito que fará toda diferença quando chegar o momento. Assumirei eu o rótulo com o mesmo terror das mulheres que carregavam a letra Escarlate, ou farei desses novos anos a mais rica experiência da minha vida? Nem Freud, tampouco Balzac, podem me apontar um caminho. Até porque eu já o sei.

Tenho pensado muito sobre o silêncio como um caminho para a transformação. Não o silêncio que exclui, mas aquele que acolhe. O silêncio da voz que evita palavras ingratas. O descanso do ouvido que não permite menos do que oferece. A lealdade do coração que ama mais a si mesmo.

Calar como uma forma de autoconhecimento. Vedar olhos e ouvidos para referências externas que só provocam ruídos em sua essência. Ouvir aquilo que valha. Dizer apenas o que encontra ressonância. Sentir o que não há pretensão de ser falso. Ser imperativo em sua vontade de não mais ser pautada pelo que pensam de você, pelo que querem de você, mas pelo que você pensa e quer de si mesma.

Toda mudança é imperativa porque só surge diante dos reveses. E toda mudança passa pela pausa. E toda pausa só é legítima quando anda de mãos dadas com o silêncio. Toda pessoa muda. Toda muda, cala.

Ao calar, o ato de mudar continua imperativo, mas o caminho é, sobretudo, reflexivo. Se as pessoas bem soubessem, calariam diante do medo de expressar. O equívoco é amigo do medo. E este é ardiloso diante da ação. Despe de pureza qualquer ato que se pretenda sublime em sua essência, em seu querer. E o torna vulgar, mesmo que os olhos digam outra coisa, que o coração grite imperativo, acenando com seu cardápio de sonhos: Mude. Faça diferente. Seja você.

E o que é ser você? Não há listas de virtudes e defeitos que definam um ser humano. Somos obra de uma bagagem que nunca será despachada. Somos uma construção troncha e bela de um passado que nos marca, de um presente que ainda incomoda, e de um futuro com o qual flertamos impotentes. Julgamos saber quem somos porque evitamos aceitar que a vida dobra esquinas e nos surpreende sempre com os acasos à espreita. Somos também soma dos acasos que nos sabotam e nos fazem correr pro espelho para questionar mais uma vez: quem é você mesmo?

Não há chegada no caminho do autoconhecimento. Há uma estrada que transforma esse eterno conhecer mais belo. Uma estrada de silêncio e grito. De coisas que precisam ser ditas e de outras tantas que devem ser transformadas em pausas sonoras. Ouvi uma frase que me remeteu a este caminhar solitário: “Em uma canção, as pausas são tão importantes quanto os sons. Ainda na pausa, a canção continua”.

E só há uma chance da canção da vida continuar sem lhe ser ingrata: quando você caminha consigo mesma. E isso não significa isolamento. Não nos valemos ao construir bolhas. Caminhar consigo mesmo é viver fiel ao que diariamente te define, te molda, te certifica. É saber que de círculos não nascem quadrados, e que por isso nem toda oferta deve estremecer a sua procura.

Esse é um texto que fala sobre silêncio, caminhos, pausas, ofertas e autoconhecimento. É confuso como o pensamento humano. É hipertextual como os caminhos que nos ligam a nós mesmos. É virtual porque é passível de concretização. É líquido como os sentimentos que nos fogem pelas mãos da inviabilidade, e nos fazem sempre avançar ou recuar. Suas, minhas mãos, de qualquer um que se confronte. É uma forma de fazer entender que nada nessa vida é legítimo se não constar como cláusula em seu contrato pessoal. E que qualquer atitude sua se justifica apenas se for leal com o seu caminho, com o seu querer. Só assim.

Do contrário, é silêncio amordaçado, é descaminho disfarçado de pausa, é uma canção desafinada, é apenas mais uma forma covarde de desprezar a força de suas escolhas. E, por Deus, nunca coloque nas mãos dos outros a capacidade de escolher pelo seu caminho. É como entregar a sua vida a quem não sabe o que fazer com a sua própria. É se permitir secundário. É o único abandono insuportável.

É o que eu me permiti aprender nesses 30 anos.