Wednesday, June 24, 2009

Há.

Não há dor, só imensidão. Não há choro, mas lágrima velada. Não há túnel, há uma luz vacilante. Há céu, nuvem, calor. Sim, há muito calor. Há pressa, mas não há apelo. Há quase uma certeza, quase aquela coisa de sorte. Há uma coruja que sobrevoa. Ainda agora houve uma brisa. E um pouco de fé também sempre há. Se há cuidado, há mais carinho. Há pegadas, há caminho. Sim, há um belo caminho. Há lida, vida, recolhida. Não haverá partida. Há tanta chegada, há frio na barriga, e haja força. Haja força. Haja força. Há corpo, mas há limite. Há olhar, convite. Há história, geografia, matemática, português. Há vez. Há uma grandiosa vez. Há destino, crença, desatino, esconderijo. Há canção. Há um milhão de canções. Há tantas canções quanto pensamentos. Não há lamento. Não, não há recuo. Há coisas caladas, silêncio. Há sorrisos. E haverá gargalhadas. Houve choro, cara fechada. Há sabedoria agora. Uma sapiência miúda, rastejante, a conta gotas. Há novela na TV, e uma revista densa. Há tempo pra pensar, mas há mais ainda a vontade de dormir. Há saudade. Sim, haja saudade. Sempre haverá a saudade. Há você, eu, os outros. Há meus pais. Há o Chico Buarque e seu talento. Há aquela maldita canção de Chico. Há uma vela acesa e meus santos empoeirados. Há um São Francisco sem a pomba em seus braços. Há Iemanjá. Azul, em minha parede. Azul também há em um terço. Há um troço aqui dentro quando não velo reza. Houve vômito. Só não houve ainda o vômito final. Há ainda muita coisa aqui dentro. Há vida aqui dentro. Há batida. Há calor. E haja força, haja força. Há um bonsai morto em minha sala. Há preguiça, miado de gato. Há livros, tantos livros. Há solidão, mas não há dor. Só imensidão.

Kadydja Albuquerque

Monday, June 22, 2009

Desencanto

Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Inevitável



Há sempre uma borboleta em todo jardim.
Ainda que não seja a mais bonita,
ou aquela que voe com mais elegância...
Há sempre uma borboleta em todo jardim.

Há inevitavelmente azul em todo céu.
Mesmo escuro pela presença das nuvens,
ou pela ausência do sol
Há inevitavelmente azul em todo céu.

Há no destino de todo pé um chinelo.
Mesmo roto ou novo,
de couro ou amarelo.
Há no destino de todo pé um chinelo.

E em todo voo, céu ou caminho
nuvens, chinelos, bichinhos
Em todas as coisas desse mundo,
reais ou abstratas,
Há o que não se farta: o amor.

Kadydja Albuquerque > 24.05.2009 (Versos publicados na exposição "Um a Um" de Melissa Warwick)
Foto by me: Namorados no Jardim Japonês / Buenos Aires (maio 2008).

Diquinha - Charlie Parker



Hoje eu voltei a ouvir minha pequena coleção de Clássicos do Jazz. E escolhi ouvir Charlie Parker, o Bird. Charlie foi um incrível saxofonista que junto com outros caras "fracos" como Miles Davis, Dizzy Gillepsie e Thelonious Monk lançaram ao mundo o Bepop, jazz moderno e cheio de improvisações. Não gente, eu não joguei no Google... eu gosto de ler mesmo sobre os músicos que me tocam. :-P

Enfim, ando sem muita coragem pra escrever. A vontade vem, mas não chega forte o suficiente para combater meu sono. Ainda mais quando eu coloco Bird pra tocar. Aí eu só quero ficar de olhos fechados e esperar que a noite me embale com bons sonhos. Sim, porque depois de um dia cheio como hoje, eu mereço bons sonhos no mínimo. E se eu puder escolher, quero sonhar com um lugar ensolarado, mas que não tenha tanto calor. Pode ser uma praia, e nesse praia, eu terei 10cm a mais, cabelo um pouco mais liso, um corpo bronzeado e um sorriso enorme. Eu vou encontrar só pessoas legais que vão me chamar pra seguir sorrindo pela vida e acreditando que ela não é tão traiçoeira e mesquinha assim como tenta me convencer a lida. No meu sonho o mundo vai girar mais rápido e eu vou acordar com aquela sensação de que tudo passa, tudo se renova, tudo acontece e que o importante é continuar andando em frente.

Bons sonhos também.

Monday, June 15, 2009

Quem sou eu 2

sou contradição
mas me reconheço
em nada e em tudo
nos dias de morte e de vida.
sou canção parida
para um filme mudo
com tantos gritos
quanto sorrisos.
sou lágrimas, alegrias
carências, tanta poesia.
sou fé e segurança
dia, noite,
uma ingrata mudança.
estou descoberta, alerta
sinto raiva, amor, fome.
sou amor
sou fome
sou difícil
como o meu nome.
sou torta,
como essa porta
essa estúpida porta
tão estúpida, idiota.
ah, como quero ser janela
ou pelo menos uma cortina
vilã, livre, famosa, cretina.
qualquer coisa eu sou
eu não ligo pra mais nada
vivo, assim, cansada
excitada, aliviada
por ser quem eu quiser.

Kadydja Albuquerque > 14.06.2009

Sunday, June 14, 2009

Diquinha - Teus Olhos



música fofa para um domingo à tarde. :-)Adoro os dois.

K

Quero bem

Quero o bem,
o infinito
Quero o não dito
todas as frases
as canções que
passam pelas fases
do que somos
somado a tudo que nao foi.

Quero o riso
a pele, o gosto
Não quero esse desgosto
sua ausência, encosto
Quero o olhar
não consigo mirar
os olhos que não me procuram
não esbarram nos meus
no meio de tantos outros.

Quero a soma
do que foi anunciado
e nunca, nunca mais
vai chegar.
Quero um espaço
em seus pensamentos
sem aceitar que acabou.
Quero ir pro espaço
aqui tudo está tão só
chuva em meus olhos
porque te quero bem.

E querer bem
não devia fazer mal.
cadê todos os santos
orações, quebrantos
versos pobres,
doces cantos,
Cadê o que não findou
mas se perdeu,
e ninguém acha,
o que seria nós
o que não se encaixa
o que adormecido ficou.

Kadydja Albuquerque > resgatando poesias na minha gaveta de papeis.

Friday, June 12, 2009

Dia dos Namorados

Tá, tudo bem, hoje é dia dos namorados. Um dia inviável pra tentar jantar com os amigos em algum restaurante. Vamos deixar a peregrinação para aqueles que possuem uma metade. Mas pra falar a verdade, como diz meu amigo Mú, dia dos namorados é coisona.

Nao, não é porque eu estou solteira. Estou por "quase opção". Vamos pensar pelo lado positivo. Dia dos Namorados onera o seu orçamento. Ninguém compra um pacote de meias brancas pro namorado ou um CD da Calcinha Preta pra namorada. Comprometidos que se prezem gastam dinheiro com as suas amadas. Dão um bom presente, levam pra jantar e depois... ah, depois. Ok, essa pode até ser uma parte que faz falta, mas em um mundo moderno e livre, ninguém precisa comprar todo o pacote, não é mesmo?! ;-)

Sem falar que tem muita mulher hoje feliz porque é o dia da "oficial". Sim, sim, quem namora corre esse risco. Aí depois sábado à noite, ela fica em casa vendo o DVD duplo de Maria Bethânia com que seu amado a presenteou enquanto ele sai pra beber com os amigos. Ainda tem aqueles seres masculinos que dizem: "amor, hoje vai ser um inferno comemorar. Vamos deixar pra amanhã, certo?!", e a coitada vai dormir achando que seu namorado é super prático, tem bom senso, e quer evitar contratempos em um dia importante. Só que o sábado pós-12 de junho nunca chega.

Meninas, solteiras ou não, vamos ser espertas. Namorado que é namorado fica contigo na fila do restaurante durante 2 horas ou quando você chega do trabalho ele está com um big presente pra te dar e um jantar feito, pode ser encomendado também. Afinal, mulher nasceu pra ser mimada. Fica a dica.

Eu não me lembro do último dia dos namorados que comemorei. Portanto pra mim não faz grande diferença estar solteira. Vou encarar como mais uma sexta-feira em que eu me jogo pela cidade com meus queridos amigos e celebro essa vida tão mágica. Como diz o sábio ditado popular: antes só do que mal acompanhado.

Mas eu ainda assim acredito no amor. E escrevi sobre isso recentemente. Sou fã de casais apaixonados. Amar é muito bom, pelo menos eu acho né? Fui convidada por minha amiga, fotógrafa, turismóloga, viajante, cozinheira, vegetariana Mel Warwick para escrever um texto sobre o amor para sua exposição de fotos "UM a UM". Eis o texto abaixo para ninguém achar que esse é um post de uma mulher mal-amada. ;-) Até porque eu sou muito bem-amada, mas eu escolho os momentos. Essa independência ainda me derruba.. kkkkkk

Amor tem cheiro de pão quentinho, de passeio no parque em dia de domingo, de filme com pipoca no sábado à noite. Amor de novela, de verão, à primeira vista, secreto, platônico, proibido – a forma não importa. Buscamos o amor, sonhamos com ele, muitas vezes o encontramos, mas ele não encaixa tão completamente, e nos pomos a procurá-lo de novo com um presente roedor de unhas.
A esperança da chegada do novo é a velha história do chinelo, da outra metade da laranja, do príncipe encantado. E quando encontramos o amor... ah, o amor. Todo dia é feriado, toda noite é gostosa, toda canção é samba. Damos bandeira, sorrimos pro futuro, aceitamos o presente e nem lembramos do passado. Ele está no ar, naquele ar onde o céu é mais azul e quase nunca chove.


Feliz Dia do Amor, seja com quem for! :-)

Sunday, June 7, 2009

Feliz Niver, Joselita!



A humanidade avançou tanto nas inovações tecnológicas, mas não conseguiu ainda inventar algo que diminuísse a saudade. OK, criaram a Internet e suas ferramentas de interação social que nos aproximam daqueles que estão fisicamente longe. Mas o ser humano precisa do contato corpo a corpo.

E eu queria acordar hoje e ter esse dispositivo de "aparatar" pra perto da mulher mais importante da minha vida. Hoje é aniversário da minha mãe, e como em todos os outros últimos aniversários, estou longe. Tenho pensamento, coração, alma próximos, mas fica a vontade do abraço, de almoçar com os meus coroas, de dar presentes e rir das loucuras que ela fala.

Nós não escolhemos a nossa família. Ela nos cai no momento em que viemos ao mundo, mas não por acaso. Fomos colocados para viver com os nossos pais e irmãos porque é preciso construir os laços espirituais e utilizá-los no aprendizado, no crescimento do que somos, e do que vamos prestar contas quando esse mundo ficar para trás.

E eu sou uma mulher de sorte porque tenho ela como minha mãe. Tudo bem que às vezes ela esquece de me ligar, mas é só deixar um scrap com "mãe, eu tô bem viu?" pra ela telefonar me chamando de dramática. Tudo bem que às vezes ela não entende as decisões que eu tomo na vida, e fica querendo quebrar essa cabeça dura aqui, mas depois aceita que eu não as tomo por impulsividade, mas por vontade de ser feliz de fato. E ver os filhos felizes é a grande ambição desta mulher que escolheu ser mãe, esposa e dona de casa em período integral.

Sim, é uma escolha. Como todas as outras que fazemos pela vida. Eu escolhi a minha carreira, a minha paz que, conquistadas, deixam-me tranquila para procurar o amor. Porque eu acredito no amor. Mas eu ganhei de presente de Deus o mais importante - o amor incondicional. Se eu ainda não vivi na minha vida aquilo que chamam de grande amor, não importa. O amor que meus coroas sentem por mim é mais imenso que qualquer outro. E minha mãe é expert em dar amor, em cuidar dos filhos, em preservar a família, e eu sei como deve ser duro pra ela nos ver tão fragmentados.

Mas a beleza está nisso, mãe. Estamos distantes e perto ao mesmo tempo. E você é nosso elo. Quem mais tem uma mãe tão Joselita sem noção? Ou uma compulsiva por limpeza? Ou ainda viciada em comprar e em cumprir promessas?
Hoje eu queria estar aí, e eu estou. Não fique triste. Aproveite essa cidade maravilhosa e saia com o seu coroa para comemorar. Sim, porque temos muito mais para comemorar do que para entristecer.

Obrigada por ser essa pessoa singular, por ser minha mamis. Te amo, Nadja Geller! ;-)

Friday, June 5, 2009

Josefina e o peso de papel



Josefina, toda vida, escreveu seus versos em folhas de papel com caneta vermelha, e costumava colocá-los em sua escrivaninha com um livro pesado em cima para que eles não se perdessem pelo chão da sala. Certo dia, ela ganhou um peso de papel, no tamanho certo, da forma que ela queria, com a cor que lhe trazia felicidade.

Tantos foram os versos que Josefina se empenhava em escrever para dar ofício àquele peso de papel, que ele foi ficando pequeno, pequeno, e o vento que entrou pela janela, esquecida aberta, desafiou a sua força. Os versos caíram no chão molhado pela chuva, companheira do vento. O peso de papel teve sua sentença e foi pra gaveta. Os papéis secaram e enrugaram as palavras que compõem versos, agora, borrados.

Josefina parou de versar. Mas toda vez que abre a gaveta, o peso de papel lhe provoca. Sem querer, ela retorna ao sonho de casar palavras e de não mais esquecer a janela aberta.